Redibo Pleno
Retorno finalmente à escrita, aos relatos da minha Aventura em Italia, às memorias da minha historia ja feita de tantas estorias. O computador belga em que escrevo diz-me que é cedo : meia noite, onze em Portugal. Cedo porque hoje é quarta feira, serata erasmus na discoteca FishMarket e amanha nao tenho aulas de manha. Estou em casa sozinho, foi tudo para mais uma noite de borga. Estou mas nao me sinto sozinho. Fazia-me falta encher estas paginas do blog com novas minhas. Porque muitas vezes um simples ola nao chega aos que nos estao mais proximos ou tambem aos outros, aos que querem simplesmente matar avidamente curiosidades, escutar palavras sobre o meu transalpino sucesso ou infortùnio. A seu tempo tentarei falar de tudo, como é obvio acrescentando um ponto ou outro, moldando o meu conto pessoal com mais tragédia ou comédia. Ou talvez fazer das estorias dos outros minhas. Afinal também aqui reside a magia de se ser viajante solitario.
Quase um mes e meio depois da minha partida, escrevo num teclado flamengo, lentamente, dribliando as inibiçoes retroactivas. Descobri agora que tem o til mas como e preciso fazer um numero de acrobacia digital para o teclar, omito-o. A ele e à maioria dos acentos. Um mes e meio a viver no estrangeiro é um mes e meio de adaptaçao e aprendizagem de novas rotinas. A despertar cedo e nao fazer barulho para acordar o colega de quarto que dorme ate as 3 da tarde; a tirar os tampoes dos ouvidos e ter que guarda-los na caixa, procurar a roupa lavada no escuro dos armarios; a comer corn flakes e nao poder deixar a tijela suja numa maquina de lavar a loiça como fazia em casa; a calcular quanto tempo de bicicleta ate a universidade, tendo como variaveis o sono, o frio, a chuva, a roda da bicicleta empenada, o facto do benfica ter perdido na vespera; a conhecer centenas de futuras psicologas italianas, decorar o nome de 700 julias diferentes, 500 francescas; a utilizar rapidamente o dicionario para uma ou outra palavra que nao se percebe ; a economizar gastos com a comida ; antecipar quanto tempo dura toda a roupa de uma lavagem que se faz clandestinamente nas residencias de estudante; a ser-se o mesmo mas também alguém novo em terras de lingua diferente mas em tanto parecidas com a nossa.
Penso que no estrangeiro, vivendo e conhecendo pessoas que provavelmente nunca mais veremos nas nossas curtas vidas, deixamos de ser simplesmente um reflexo do espelho que foram as nossas experiencias passadas, deixamos de ter a ancora daqueles que ja nos conhecem, despimo-nos de expectativas. Em Erasmus somos aquilo que somos capazes de fazer naquele momento, aplicamos directamente, no contacto com os outros povos, toda a nossa educaçao, cultura, forma de estar. Nao temos de dizer quem fomos, damo-nos sendo a pessoa que nos tornàmos com o tempo. E neste processo em que temos a responsabilidade de nos apresentarmos como pessoas, aprendemos uma verdadeira liçao de humanidade. Uma liçao que nos faz distanciar cada vez mais da Europa dividida do seculo passado e uma experiencia que nos aproxima uns dos outros sem preconceitos de fronteiras. Porque os momentos em que cantamos « lalalalalala e Viva Espana » com os espanhois, jogamos matrecos com parceiros alentejanos, festejamos a queda do muro de berlim com os alemaes, dançamos abraçados as austriacas, discutimos politica com argentinos, rimo-nos a ver televisao com os belgas, fazemos capoeira com os polacos ou em que aprendemos Italiano com as nativas sao realmente preciosos. Aqui deixo de ser por instantes de Lisboa, deixo de ser Portugues e torno-me um cidadao da nova Europa, um « cidadao do mundo ». Posso voltar a Portugal com menos uns quilos, menos dinheiro, mas voltarei certamente muito mais rico. Ou como dizia um professor da Universidade de Padova, que deu aulas a Galileu : Redibo Pleno.
Antes de terminar queria dizer obrigado a todos os que têm perguntado por mim, é optimo saber que mesmo longe somos lembrados. Um abraço deste que tanto vos quer, sou capaz de ir ai pelo Natal. G.F.