PATAVINO

Memórias autorizadas de um estudante de Psicologia, Português, em "Erasmus" pelas italianas paragens de Pádua. | «Corsa lunga, grandi bugie», Provérbio italiano | «O mundo em que vivemos é como um livro. Quem nunca viajou, apenas leu uma página», Santo Agostinho

sábado, novembro 27, 2004

PATAVINO QUIZ 1

este é oficialmente o patavino quiz numero 1 - aquele que conseguir responder a mais respostas justas (certo diz-se justo em italiano mas dizendo-o em portugues, torna-nos muito mais eruditos) torna-se o vencedor maximo absoluto, campeao do universo do jogo cibernetico, jamais realizado por jovens nascidos em sao jorge de arroios a fazer erasmus em padova. sem mais demoras, ca vai a pergunta:

QUEM SAO OS DOIS UNICOS GAJOS EM PADOVA QUE ANDAM COM CAPACETE?

terça-feira, novembro 16, 2004

Ci vediamo dopo

Como o tempo e o dinheiro sao dois factores que sempre faltam a um estudante Erasmus, e como toda a gente me pede para ir publicando alguma coisa fico-me por estes pequenos relatos e esta resumida publicaçao. Sempre que escrevo fico com a sensaçao que ficou tanto por dizer. Pequenos pormenores que certamente fariam a diferença. Depois lembro-me que quando voltar terei todo o tempo para me recordar desses pequenos nadas, falando-vos e escutando-os em Portugues, respondendo as vossas perguntas, relatando toda esta vida ja tao preenchida. Por enquanto, aqui deixo a promessa que em breve falarei de muitos outros assuntos completamente diferentes: das viagens que tenho feito a Veneza, Ferrara, Treviso, Verona ; do meu companheiro de quarto que ainda ressona « eufemisticamente » como um alien saido directamente da triologia, e com quem ja tive um acidente de bicicleta cujos unicos lesionados foram um travao e uma roda empanada; da bicicleta comprada aos moldavos que ja me roubaram e de quem tantas saudades tenho; da bicicleta que roubei e que tive de mudar os pneus; das discotecas Banale, Pachiuca, FishMarket, Traffic; dos pubs Highlander, outro onde se joga aos dados para ganhar Spritz (o cocktail tradicional do estudante italiano de Nordeste) e onde no outro dia houve um concurso de trivial que ganhei e cujo premio eram tres garrafas de vinho ; da maioria das espanholas que nao passam de umas « bacantes » segundo Ovidio ; etc, etc, etc. E que nao se julgue que isto e so boa vida, muitas vezes o tempo, a chuva e a saudade de algumas coisas que so a familia, os amigos e Lisboa me podem dar, me deixam melancolico. Mas se tambem andasse sempre em festa e nao tivesse uns momentos de introspeccao e de quietude, nao saberia apreciar com o mesmo gosto as coisas boas que tenho e que vou vivendo nestes tempos que sao ja oficialmente, dos melhores que ja vivi. E afinal de contas continuo a ser o mesmo que partiu dai ha pouco ou ha muito tempo. G .F.

Corsi di Psicologia

As aulas de Piscologia, nos primeiros dias estavam apinhadas. Tive de me sentar no chao algumas vezes e, por estranho que possa parecer, ate existem aulas com videoconferencia para os alunos que nao cabem na sala. E ridiculo estar numa aula a observar um ecra gigante e ver o professor com o logo do windows na testa a fazer perguntas para a audiencia. Tentei testar a eficacia deste tipo de sistema de ensino, pondo o dedo no ar para responder, mas as minhas duvidas nao foram inexplicavelmente atendidas. Contudo as condiçoes sao excelentes. Existe um laptop, um projector, microfones e sistema de som em todas as salas; a biblioteca é excelente embora com pouca publicaçao a nivel de livros em lingua inglesa, ao contrario da de Lisboa . Do ponto de vista funcional, é de facto uma faculdade de primeiro mundo. Do ponto de vista academico, penso que todo o curso, a diferenciaçao teorico pratica, a aprendizagem real das tematicas, é melhor em Lisboa. Os professores sao todos professores conceituados de Psicologia em Italia. Alguns no seu pedestal, outros extremamente acessiveis (como o meu coordenador de Erasmus que é americano e nem sabia bem que cadeira ia leccionar no segundo semestre. Ja me pediu para bebermos uma garrafa de vinho do Porto juntos).

Todos os dias conheço colegas novas, bonitas, que olham para o meu dicionario e me perguntam se sou portugues. Algumas dizem-me que conhecem a palavra saudade e uma ate sabia quem era Fernando Pessoa. Pode-se imaginar agora porque tenho motivaçao para ir as aulas segunda feira as 8h30, com chuva e frio, e de bicicleta sem o travao da frente e o de tras impotente.

As aulas com tanta gente sao extremamente teoricas e impessoais. Ha cadeiras que queria mesmo participar mas o meu parco italiano diz-me que é melhor ficar calado. Porem, tenho aprendido coisas que provavelmente nao terei oportunidade de aprender em Portugal. As aulas de Picologia da Arte tem sido fantasticas . Analisamos obras de pintores renascentistas, barrocos, contemporaneos e definimos linguagem artistica, estilo, estetica, percepcao, tipos de personalidade dos artistas, intencao e funçao das obras artisticas. é uma introduçao à psicologia cognitiva aplicada à Arte. Por outro lado as aulas de Criminologia, especialmente porque levam a sala de aula tecnicos que trabalham em tribunais, em prisoes, institutos de reinserçao social, ajudam-me a conhecer um campo de trabalho que do ponto de vista humano é extremamente gratificante. As aulas de Teoria e Tecnica de Comunicaçao em Psicologia sao pura psicologia dinamica aplicada mas sao interessantes e penso que me servirao no futuro de base ou comparaçao, quando tiver de fazer a cadeira correspondente em Lisboa. Psicologia dos Meios de Comunicaçao de Massa, ajuda-me a ter uma ideia do mundo da Psicologia aplicada à publicidade, ao marketing empresarial, ao desporto, e às novas linguagens como a Internet. A Psicologia Cognitiva Avançada da-me as bases para a variante que decidi escolher neste quarto ano de curso. A partir de Dezembro terei mais 3 cadeiras das quais falarei em tempo oportuno. E por falar em tempo, é melhor que comece a procura-lo para poder estudar, escrever e falar, em italiano com os professores que me avaliarao. Sim, Erasmus em Italia nao e so dolce fare niente. G.F.

CampoBasso


O meu melhor amigo italiano chama-se Vittorio, é caloiro de arqueologia, tem uma juba meio afro, pera, cara semelhante a de Max Cavalera. O seu grupo de amigos é o meu grupo de amigos de erasmus e é o italiano com quem mais convivemos. Eu chamo-lhe Vittochio (por motivos que nao convem explicar aqui) e ele chama-me Tommy V.(ao que parece, segundo ja 3 pessoas sou parecido com um d.j. italiano que participou no Gran Fratello). O que caracteriza o Vittorio é o facto de ter um amor infinito à sua terra natal, na zona sul de Italia – CampoBasso - a terra da melhor pasta do mundo e de um clube de futebol que esta na quarta divisao B e tem mais de 20 mil espectadores por jogo (mais que a lagartagem por jogo e outros clubes da super liga por ano). O Vittorio é lider tiffosi deste clube e portanto passa os dias a jogar c.manager e a entoar canticos de bancada. Ja conseguimos que entoasse na perfeiçao o « gloriosoooo SLB », mas nada o afasta ao seu amor a terra natal e a sua namorada que esta em Milao. Chama-se Laura e eu cada vez que lhe canto a musica do Neck « laura non c’e, e andata via … » quase que me mata. Outras expressoes utilizadas por este italiano tipico do sul, alem de CampoBasso sao : « che casamento !», “dio mio, che ubriaco !”. O Vittorio é a prova de que os italianos do sul sao muito mais simpaticos que os burgueses do norte e com um espirito que se aproxima muito mais dos espanhois e dos portugueses. Espero que no final do ano festejemos juntos o campeonato ganho pelo Benfica e a subida de divisao de CampoBasso. G.F.

Padova


Quando me decidi a escrever sobre a cidade onde estou a viver pensei em falar das principais atracçoes. Mas depois percebi que isso seria apenas fazer o que as agencias de turismo locais fazem. Portanto deixo os pontos turisticos para voces procurarem no google ou nos links ali ao lado. De Padova retenho :

- O frio e o cinzento fechado da cidade, tao diferente das cores mediterranicas de Lisboa.

- A gente jovem aos milhares que se passeia pelas ruas parando em todas as montras, comendo focacci ou saborosos gelados italianos, exibindo as roupas da moda e parando à noite nas enotecase nas piazze

- O romantismo das centenas de bicletas, com executivos de gravata, velhotas de boina, maes com dois filhos pequeninos (um atras outro a frente), cestos com flores e fruta, namorados com as suas namoradas sentadas no volante, frente a frente, andando devagar sob as arcadas que quase todos os predios antigos do centro têm .

- As pontes e o rio que circunda o centro e a sua neblina na madrugada

- Os ferraris, porshes, maseratis, jaguares, fiats 500 de 1960, as vespas com que me cruzo todos os dias

- A Piazza Delle Erbe onde se juntam os estudantes todas as noites para beber, discutir, cantar e rir

- « Ciao bella, ciao bello, grazie, prego, scusa, niente » ditos alto (muitas vezes com o sotaque do dialecto padovano) e sempre acompanhados por um sorriso
- O rosto bellissimo das italianas

Stanza

Aos poucos, vou-me habituando ao quarto onde vivo. Depois de um mes sem ver a minha confortavel cama, a minha escrivaninha, as minhas paredes, sinto que esta habitaçao jà é tambem um lar. A ele sempre retorno depois de um dia cansativo de aulas ou de uma noite de festa. Vivo num bairro relativamente perto de uma das maiores praças da Europa, o Prato della Valle. A cama é minuscula, o colchao tambem nao é grande encomenda. Quando aqui entrei a primeira vez nao tive uma boa impressao. E como a angustiante procura por outro quarto se revelou infrutifera aqui acabei por ficar. Da janela podem ver-se arvores, quintais bem tratados, melros que poisam nos parapeitos. Um cenario outonal. Nao se ouvem ruidos de carros a passar e como é um bairro habitado por velhotes reformados e ricos que nunca devem estar em casa (devem andar a passear pelo mundo atraves da Inatel ca do sitio), o sossego impera .
Mudei a disposiçao dos moveis e da mesa, afixei a bandeira de Portugal na parede, o poster da minha visita ao Berlusconi, postais de Lisboa, fotografias da faculdade e dos escuteiros (aceito todo o tipo de material decorativo que quiserem enviar, humm, tudo menos aqueles bibelots de porcelana talvez).

Também comprei a meias um sistema de som com “subufero” e posso dizer meio que cantando que ha « sempre musica entre nos ». A decoraçao completa-se com a roupa que nao secou completamente na maquina de secar e que se encontra por cima do aquecedor ou pendurada no armario. Faço a limpeza uma vez por semana. Resumindo, o quarto esta limpo e arrumado, é grande (podem ca dormir 7 pessoas) e com o passar do tempo tornou-se minha casa. Posso dizer que ja estou automatizado uma vez que ja consigo chegar a cama e deitar-me na penumbra sem fazer o minimo ruido.

Depois deito-me, tapo os ouvidos e de repente, o aeroporto onde aterra constantemente um boeing 747 (metafora para a pratica ressonativa do meu companheiro de quarto) deixa de existir e vem a paz e o sono.Apesar de toda a bela adpataçao, existe sempre a saudade da minha alegre casinha, com a linha azul do mar ao longe no horizonte, e essa abertura para o mundo que so Portugal nos da. G.F.

Redibo Pleno

Retorno finalmente à escrita, aos relatos da minha Aventura em Italia, às memorias da minha historia ja feita de tantas estorias. O computador belga em que escrevo diz-me que é cedo : meia noite, onze em Portugal. Cedo porque hoje é quarta feira, serata erasmus na discoteca FishMarket e amanha nao tenho aulas de manha. Estou em casa sozinho, foi tudo para mais uma noite de borga. Estou mas nao me sinto sozinho. Fazia-me falta encher estas paginas do blog com novas minhas. Porque muitas vezes um simples ola nao chega aos que nos estao mais proximos ou tambem aos outros, aos que querem simplesmente matar avidamente curiosidades, escutar palavras sobre o meu transalpino sucesso ou infortùnio. A seu tempo tentarei falar de tudo, como é obvio acrescentando um ponto ou outro, moldando o meu conto pessoal com mais tragédia ou comédia. Ou talvez fazer das estorias dos outros minhas. Afinal também aqui reside a magia de se ser viajante solitario.

Quase um mes e meio depois da minha partida, escrevo num teclado flamengo, lentamente, dribliando as inibiçoes retroactivas. Descobri agora que tem o til mas como e preciso fazer um numero de acrobacia digital para o teclar, omito-o. A ele e à maioria dos acentos. Um mes e meio a viver no estrangeiro é um mes e meio de adaptaçao e aprendizagem de novas rotinas. A despertar cedo e nao fazer barulho para acordar o colega de quarto que dorme ate as 3 da tarde; a tirar os tampoes dos ouvidos e ter que guarda-los na caixa, procurar a roupa lavada no escuro dos armarios; a comer corn flakes e nao poder deixar a tijela suja numa maquina de lavar a loiça como fazia em casa; a calcular quanto tempo de bicicleta ate a universidade, tendo como variaveis o sono, o frio, a chuva, a roda da bicicleta empenada, o facto do benfica ter perdido na vespera; a conhecer centenas de futuras psicologas italianas, decorar o nome de 700 julias diferentes, 500 francescas; a utilizar rapidamente o dicionario para uma ou outra palavra que nao se percebe ; a economizar gastos com a comida ; antecipar quanto tempo dura toda a roupa de uma lavagem que se faz clandestinamente nas residencias de estudante; a ser-se o mesmo mas também alguém novo em terras de lingua diferente mas em tanto parecidas com a nossa.

Penso que no estrangeiro, vivendo e conhecendo pessoas que provavelmente nunca mais veremos nas nossas curtas vidas, deixamos de ser simplesmente um reflexo do espelho que foram as nossas experiencias passadas, deixamos de ter a ancora daqueles que ja nos conhecem, despimo-nos de expectativas. Em Erasmus somos aquilo que somos capazes de fazer naquele momento, aplicamos directamente, no contacto com os outros povos, toda a nossa educaçao, cultura, forma de estar. Nao temos de dizer quem fomos, damo-nos sendo a pessoa que nos tornàmos com o tempo. E neste processo em que temos a responsabilidade de nos apresentarmos como pessoas, aprendemos uma verdadeira liçao de humanidade. Uma liçao que nos faz distanciar cada vez mais da Europa dividida do seculo passado e uma experiencia que nos aproxima uns dos outros sem preconceitos de fronteiras. Porque os momentos em que cantamos « lalalalalala e Viva Espana » com os espanhois, jogamos matrecos com parceiros alentejanos, festejamos a queda do muro de berlim com os alemaes, dançamos abraçados as austriacas, discutimos politica com argentinos, rimo-nos a ver televisao com os belgas, fazemos capoeira com os polacos ou em que aprendemos Italiano com as nativas sao realmente preciosos. Aqui deixo de ser por instantes de Lisboa, deixo de ser Portugues e torno-me um cidadao da nova Europa, um « cidadao do mundo ». Posso voltar a Portugal com menos uns quilos, menos dinheiro, mas voltarei certamente muito mais rico. Ou como dizia um professor da Universidade de Padova, que deu aulas a Galileu : Redibo Pleno.
Antes de terminar queria dizer obrigado a todos os que têm perguntado por mim, é optimo saber que mesmo longe somos lembrados. Um abraço deste que tanto vos quer, sou capaz de ir ai pelo Natal. G.F.